19 de mar. de 2013

Divididos, latino-americanos recebem com esperança e ceticismo gestos do novo papa

Para o ex-padre José Ignacio López, o novo papa
pode ser menos vaidoso, mas não mexe nos
aspectos fundamentais do catolicismo
(Foto: Mastrangelo Reino/Frame/Folhapress)
Religiosos e ex-padres latino-americanos em quatro países da região manifestaram sentimentos – e argumentos – encontrados sobre a ascensão do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio ao comando da Igreja Católica. Enquanto alguns revelam ter recebido com “alegria e esperança” o resultado do conclave, anunciado na última quarta-feira (13), outros manifestam não mais que alívio pelo fato de os cardeais terem eleito um jesuíta – e não um representante da ordem ultraconservadora Opus Dei – para liderar o Vaticano.
No horizonte, poucas expectativas de que o pontificado de Bergoglio transforme a visão da Santa Sé sobre aborto, união homoafetiva ou uso da camisinha. Mas há quem aposte que o religioso argentino, pela sua trajetória e pelo nome que escolheu, Francisco, provoque mudanças na maneira com que a hierarquia do catolicismo se relaciona com a pobreza, os leigos e as mulheres.

O único consenso é que o papa terá um grande – e urgente – desafio dentro de sua própria casa: será obrigado a dar respostas aos cada vez mais frequentes escândalos de pedofilia em todos os níveis da hierarquia eclesiástica e às denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro no Banco do Vaticano, instituição financeira da pequena cidade-estado encravada em Roma.
Com menos de uma semana de pontificado, poucos são os elementos disponíveis para analisar a conduta do novo papa. Para prever os passos que dará como chefe da igreja, porém, religiosos e especialistas têm recorrido à história de Bergoglio como líder dos jesuítas na Argentina e, depois, arcebispo de Buenos Aires. Seus poucos gestos públicos desde que foi ungido na Capela Sistina também integram a equação – suscetível ainda às inclinações pessoais dos analistas.

Passado

Entre os latino-americanos, o episódio mais preocupante da trajetória de Francisco I é a relação de cumplicidade que teria mantido com a ditadura cívico-militar que acometeu seu país entre 1976 e 1983. Há tempos Bergoglio é acusado de não ter lançado mão de seus bons ofícios como alto representante da igreja em Buenos Aires para evitar a prisão e tortura de dois padres jesuítas. E deixou-se fotografar ministrando a hóstia (espécie de pão vista pelos católicos como o corpo de Cristo) ao chefe da Junta Militar argentina, Rafael Videla, em cujo governo morreram ou desapareceram, por causas políticas, 30 mil pessoas.
“É um tema delicado e que deveria ser tratado com mais objetividade e precisão”, avalia Gabriel Naranjo, secretário-geral da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (Clar), organismo internacional da igreja com sede em Bogotá, na Colômbia. “Não podemos saber ao certo se estava alinhado com a ditadura.” É exatamente essa incerteza que incomoda o ex-padre Pablo Romo, que se consagrou como dominicano por 18 anos, mas atualmente trabalha na ONG humanitária Servicios y Asesoría para la Paz, na Cidade do México.
“Essa situação nos enche de dúvidas sobre o que esperar de Francisco”, afirma, lembrando que, caso as relações entre Bergoglio e os ditadores argentinos venham a se confirmar, não seria a primeira vez que altos quadros da igreja estariam ligados a ditadores. Romo cita o exemplo do cardeal italiano Angelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano entre 1991 e 2006, durante os papados de João Paulo II e Bento XVI, e atual chefe do Colégio de Cardeais da igreja. Durante a ditadura do chileno Augusto Pinochet (1973-1990), Sodano serviu como embaixador do Vaticano em Santiago. “Tinha estreita relação de amizade com o ditador enquanto os chilenos eram assassinados nas ruas.”
Se Bergoglio era colaborador dos militares argentinos ou apenas um religioso que não quis envolver-se com política na época mais difícil da história recente do país, essa é uma questão menor para o ex-padre cubano José Ignácio López Vigil, hoje residente no Equador, onde dirige uma ONG dedicada à comunicação comunitária. Segundo José Ignacio, o mais relevante é que o novo papa não se posicionou contra o regime que matou opositores e sequestrou seus filhos. “Não teve nenhuma palavra profética contra os militares, não disse nada”, lembra. “Podemos ser cúmplices com uma ditadura tão perversa como a argentina tanto pela ação como pela omissão.”

Política

É impossível dizer que Bergoglio não se interesse por política. Telegramas diplomáticos dos Estados Unidos vazados pelo WikiLeaks afirmam que, ao menos para os representantes de Washington na capital argentina, nos idos de 2007, o então cardeal era visto como uma das “lideranças” da oposição ao governo dos presidentes Néstor e Cristina Kirchner – com quem manteve não raros atritos verbais. Bergoglio também se opôs radicalmente às pretensões kircheristas em aprovar no Congresso, em 2010, a união civil entre casais do mesmo sexo, atitude que o religioso classificou como “coisa do diabo”.
Apesar disso, o jesuíta Luis Ovando, professor de Teologia da Universidade Católica Andrés Bello, na Venezuela, afirma que sua primeira impressão do novo papa é positiva. E destaca o fato de que Francisco provém da América Latina – algo inédito na existência do Vaticano. “Chegou o momento de uma maior pluralidade na igreja”, comemora, lembrando que a região concentra a maioria dos católicos em todo o mundo. Ovando também vê com bons olhos a vinculação do novo papa com a Companhia de Jesus. “Isso traz novos ares à igreja.”
Nenhum dos religiosos entrevistados concorda com a ideia de que a indicação de Jorge Mario Bergoglio, neste momento da história, guarde relações políticas com a nomeação de Karol Wojtyla como papa em 1978. Wojtyla, que ficaria conhecido como João Paulo II, era proveniente da Polônia, país que então vivia sob um governo comunista alinhado a Moscou, e teria assumido o Vaticano com a missão de ajudar a acabar com a “ameaça vermelha” na Europa. Bergoglio vem da Argentina, um dos países governados pelos presidentes da chamada “esquerda sul-americana”.
Há quem diga que a ascensão de Francisco seria uma resposta do cristianismo mais conservador à persistência desses grupos políticos no comando da região – que já dura mais de 10 anos. “A igreja tem inúmeros problemas internos, como pedofilia, lavagem de dinheiro e as relações mal explicadas com máfias sicilianas. São coisas muito graves. Acho difícil que, ao eleger Bergoglio, os cardeais estivessem pensando em neutralizar os avanços progressistas experimentados por alguns países da América Latina”, opina José Ignacio López Vigil.

Fiéis

Nem mesmo o crescimento das igrejas evangélicas numa região tradicionalmente católica teria motivado a indicação do papa argentino. “A capacidade evangelizadora de um sumo pontífice não depende de sua origem geográfica, mas de quanto ele poderá assemelhar-se a Jesus Cristo em suas palavras e atitudes”, defende o venezuelano Luis Ovando. Até porque, complementa Gabriel Naranjo, da Clar, o crescimento das religiões evangélicas na América Latina não está na mira do Vaticano. “Esse fenômeno tem perdido um pouco de sua força”, diz. “Mas a igreja católica certamente precisa desenvolver novas estruturas de participação e pertencimento.”
A eleição de Francisco é encarada, portanto, como uma escolha dos cardeais para apagar o incêndio que consome a credibilidade do Vaticano perante o mundo – e, principalmente, aos olhos de seus próprios fiéis. O papa deu indicações dessa vocação ao tecer comentários, no sábado (16), sobre a escolha de seu nome – que creditou a uma indicação do cardeal brasileiro Claudio Hummes. Antes de optar por Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis, Bergoglio diz ter cogitado batizar-se Adriano, em homenagem a Adriano VI, um dos grandes reformadores da igreja.
“Acreditamos que o resultado de seu pontificado poderia ser uma igreja menos ligada aos poderes mundiais e às estruturas hierárquicas do cristianismo, menos apaixonada pelo posicionamento político e mais arraigada na sociedade, mais profética e mais significativa”, arrisca Gabriel Naranjo. O secretário-geral da Clar aposta que Francisco, pelo que tem demonstrado até agora, trabalhará pela “desclericalização” da igreja, dando menor ênfase aos altos cargos do Vaticano e da estrutura católica e mais importância às pequenas comunidades cristãs, ao trabalho de base e aos leigos – ou seja, pessoas vinculadas à religião, mas que não estudaram para ser padres, frades ou freiras.
“Bergoglio também poderá mudar o papel das mulheres na igreja”, continua. Atualmente, as leis católicas não permitem que mulheres celebrem missas ou casamentos, por exemplo. Tampouco podem fazer parte do clero e participar da eleição do papa. Essa expectativa “revolucionária” para os milenares padrões do Vaticano nasce do suposto desprezo de Bergoglio pela riqueza e ostentação – atitude que vem sendo sinalizada por seus primeiros gestos públicos e pelo nome que escolheu.

Maquiagem

São Francisco de Assis é universalmente conhecido como o religioso que abandonou suas posses materiais para viver na pobreza, descalços e em contato com a natureza. Dizem que falava com os animais. Francisco apresentou-se à multidão na Praça São Pedro sem os luxuosos adornos medievais comumente trajados pelos papas – e que foram vestidos com orgulho por seu antecessor, Bento XVI. Em lugar de veludo e ouro, Bergoglio apareceu apenas com traje branco e crucifixo negro. Em pronunciamento à imprensa, no final de semana, disse que deseja uma igreja pobre para os pobres.
“É um homem que fala muito com seus gestos”, acredita Gabriel Naranjo. “E seus gestos estão carregados de intenção. Não são espetáculo, são sinais.” Contudo, para o ex-padre cubano José Ignacio López Vigil, esses sinais não passam de maquiagem. “Bergoglio foi eleito por cardeais escolhidos por João Paulo II e Bento XVI para dar continuidade à visão que tinham da igreja”, contextualiza. “O estilo de Francisco I pode ser diferente, é certamente um sujeito menos vaidoso, mas, nos aspectos fundamentais, o catolicismo dificilmente vai mudar em seu pontificado.” O ex-padre cubano não espera qualquer transformação na moral sexual da igreja, por exemplo, ou na denúncia aos padres pedófilos.
Mas o teólogo venezuelano Luis Ovando acredita que haverá mais diálogo no Vaticano a partir de agora. “A solução para questões éticas e morais da igreja, como os direitos dos homossexuais, não é aferrar-se a dogmas e normativas, mas dialogar com todos os setores”, defende. “O desafio número um é pregar a palavra e os ensinamentos de Jesus Cristo sabendo que não somos os representantes da única religião que existe no mundo, que há outras crenças sérias e maduras, pessoas, Estados, democracias e grupos com os quais temos que conversar. Assim, quem sabe, a igreja poderá adaptar-se aos novos tempos.”

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