As águas roubadas no Sertão
O ano de 2012 que, logo no início, já
brindou a Paraíba com a pior seca das últimas 4 décadas, viu, em seu
desfecho, o anúncio oficial de um outro fim: o das obras do Perímetro
Irrigado das Várzeas de Sousa (Pivas). Distante cerca de 400 quilômetros
da praiana capital João Pessoa, o projeto de irrigação capta, conduz e
distribui as águas dos açudes Coremas-Mãe d’Água para 4.390 hectares de
propriedades agrícolas encravadas em pleno Sertão, entre os municípios
de Sousa e Aparecida. No entanto, o anunciado do término das obras no
fim do ano passado não resolveu o problema apontado. A falta de água tem
sido uma constante na vida dos agricultores. E não pela seca.
Edinaldo José do Nascimento nasceu e se
criou na agricultura familiar. Desde 2006 está no assentamento do Pivas,
adquirido em 2005. Com ele, estão 178 pequenos produtores organizados
em 14 associações. Uma delas é a Apivas, Associação dos Produtores
Irrigantes das Várzeas de Sousa, que tem Nascimento como
vice-presidente.
Em 2011, o agricultor familiar perdeu 2
mil pés de mamão porque a água não chegava em sua propriedade. Ele não
consegue nem estimar o valor do prejuízo: “A água não chegava em
quantidade e a gente teve que reduzir as áreas. Eu tava com meu plantio
de goiaba sendo implantado, eu tive que cuidar dele. E eliminei meu
plantio de mamão. Rapaz, 2 mil pés de mamão, nem dá pra fazer a conta
assim de repente… a muda em si custa 4 mil reais, só de mudas. Fora a
mão de obra”. Nascimento disse que em setembro do mesmo ano teve
problemas com a produção de maracujá e se viu obrigado a racionar água.
Com 37 quilômetros de extensão, o canal
da Redenção, que conduz a água vinda dos açudes Coremas-Mãe d’Água, é à
céu aberto em alguns trechos. E várias propriedades têm colocado canos e
desviado a água direto do canal, o que impede que produtores como
Edinaldo recebam a quantidade prevista.
“É uma coisa absurda, né?! A gente tem
um canal que hoje é pra estar chegando 1,5 metro cúbico por segundo de
água dentro do perímetro e tá chegando a 0,5 metro cúbico por segundo Um
metro por segundo está sendo desviado do canal. Quer dizer, dois terços
dessa água estão sendo roubados no caminho. A verdade é essa: roubo. É
coisa preocupante. E não sei se os governos vão ter pulso para resolver
esse problema”, reclama Nascimento.
A ineficiência do Estado para resolver a
questão também preocupa Valber Matos, da comissão executiva estadual da
Articulação do Semiárido na Paraíba, (ASA-PB). Segundo ele, o desvio de
água é feito por propriedades particulares, dentre elas, a do prefeito
do município de Sousa, Fábio Tyrone Braga de Oliveira. “Mas não é só o
prefeito, não. São muitas propriedades particulares que estão usando
indevidamente o recurso. Isso por quê? Porque não há uma fiscalização do
Estado. Ao governo não interessa a fiscalização. O povo que vive disso
também não se interessa em denunciar. É omissão, falta de cuidado com o
patrimônio do ser humano, que é o recurso hídrico”.
As denúncias contra o prefeito de Sousa
vieram a público no meio do ano passado. Naquela época havia “122
irrigantes de forma irregular” no Perímetro, segundo contou Orlando
Soares de Oliveira Filho, o então diretor-presidente da Agência
Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa).
“Já fizemos essas vistorias e já foram
detectados 122 irregulares. Isso vai de pequeno ao grande. Foram
detectados e notificados. E agora a gente está procurando a solução para
o problema. Mas, pra isso, a gente precisa justamente ver: as vazões
necessárias do que está regulamentado, o que foi feito no Marco
Regulatório; se precisa aumentar a abertura da comporta para atender a
todos, se realmente os projetos iniciais que foram feitos quando da
aprovação estão sendo feitos como é pra ser”, disse à época.
Orlando Soares destacou ainda que esse
tipo de ação é feita durante a noite e declarou que a fiscalização ainda
precisa ser mais ostensiva e vir junto com uma regulação.
“Já temos ações concretas para poder
chegar junto e corrigir todas essas distrações. Só vai ter direito ao
uso correto se realmente tiver outorga, seria dar licença para o uso
racional, o uso correto. Isso é o que precisa ser feito”, afirma Soares.
Hoje, a direção da Aesa está à cargo de
Ana Maria de Araújo Torres Pontes. A reportagem tentou entrar em contato
com a diretora-presidente, através da assessoria de imprensa do órgão,
mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno. A Aesa é
responsável por gerenciar e controlar a capacidade hídrica do açude e do
canal. Com o fim das obras do Pivas decretado pelos governos estadual e
federal, houve a transferência de gestão do Projeto por meio de Termo
de Ajustamento de Compromisso entre o Estado da Paraíba e o Ministério
da Integração Nacional.
Focando a Noticia
Brasil de Fato
0 comentários:
Postar um comentário