Mito do instinto materno gera culpa em mulher que não quer ter filhos
Orlando/UOL |
UOL Comportamento fez essa pergunta a três
especialistas de diferentes áreas: uma antropóloga, uma psicóloga e um
fisiologista. A argumentação de cada um deles é diversa, mas acaba
chegando sempre à mesma conclusão: o instinto materno não existe.
A antropóloga Mirian Goldenberg diz que falar de instinto aprisiona
as mulheres ao papel de mãe. “Elas também podem ser outras coisas”, diz
ela, que é professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Essa ideia, construída culturalmente, vem sendo demolida pelas
transformações ocorridas no país nos últimos anos. “Cresceu o número de
mulheres que não têm filho ou adiam a gravidez. Isso mostra que o
instinto materno não existe”, afirma a antropóloga.
Pressão interna e externa
De acordo com Mirian, as brasileiras começam a derrubar o mito de
que só serão felizes se constituírem uma família. Mas há muita estrada
pela frente. “Esses valores ainda estão muito introjetados nelas. As
mulheres sofrem pressão interna e externa para terem filhos. Ainda não é
uma escolha legítima”.
As próprias mulheres questionam umas às outras: você não vai passar
por uma experiência tão determinante? Até o mercado estimula a crença
no instinto materno para aquecer as vendas em efemérides como o Dia das
Mães. As que não desempenham esse papel se sentem deslocadas diante da
enxurrada de propagandas para a segunda data mais importante do ano para
o comércio.
“Imagine se isso aconteceria na Alemanha?”, pergunta Mirian, usando
como o exemplo o país que incentiva os casais a terem filhos, devido à
baixa taxa de natalidade.
Comportamento adquirido, não instintivo
De acordo com a psicóloga Maria Luísa Castro Valente, da Unesp
(Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), em Assis (SP),
a maternidade, como outros comportamentos, é socialmente adquirida.
“A idade reprodutiva está se tornando mais tardia devido à inserção
econômica feminina”, diz Maria Luísa. “Vivemos em uma cultura na qual
muitas mulheres têm contato com um recém-nascido pela primeira vez
quando têm seu próprio filho”.
Do ponto de vista biológico, o conceito de instinto materno também não encontra eco. “Essa ideia se baseia na existência de um conjunto de comportamentos inatos, que estariam prontos para serem desencadeados pelo estímulo, o recém-nascido”, explica Aldo B. Lucion, que é professor de fisiologia do sistema nervoso na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Do ponto de vista biológico, o conceito de instinto materno também não encontra eco. “Essa ideia se baseia na existência de um conjunto de comportamentos inatos, que estariam prontos para serem desencadeados pelo estímulo, o recém-nascido”, explica Aldo B. Lucion, que é professor de fisiologia do sistema nervoso na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Segundo Lucion, nessa concepção haveria um período específico para que o
elo afetivo se efetivasse, ou seja, até alguns dias depois do parto.
Depois desse intervalo, nada feito.
“As premissas do instinto materno não foram comprovadas. Esse
conceito de padrões comportamentais fixos pode gerar muita ansiedade na
mulher, especialmente com seu primeiro filho”, explica o professor. “É
muito comum a mãe ficar preocupada se está fazendo certo, como se
houvesse um conjunto de condutas pré-estabelecido”.
Influências ambientais
Em vários animais, inclusive no ser humano, a maneira de agir das
mamães é flexível e extraordinariamente adaptada ao ambiente. Dessa
forma, o instinto materno como um padrão pode levar à negligência na
construção de um modo de interagir com o bebê.
“Essa interação com o filho é mais dinâmica do que outras relações
afetuosas”, afirma Lucion. Isso porque ele se desenvolve e se transforma
rapidamente com o crescimento, requerendo que o vínculo seja
naturalmente ajustável.
“O comportamento materno é biologicamente essencial e foi um passo
evolutivo decisivo”, explica o professor. Ter uma prole em pequeno
número, que recebe alto investimento, diferencia os mamíferos de outras
espécies, que contam com uma grande quantidade de descendentes sem
nenhum contato mais próximo com os genitores.
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