17 de abr. de 2013

Redução da maioridade: a “solução” irracional

Mais uma vez, a morte trágica de um adolescente de classe média gerou comoção social suficiente para que o tema da redução maioridade penal voltasse à agenda pública. Era terça-feira, 9 de abril, quando o estudante Victor Hugo Deppman foi abordado na porta de casa, no bairro do Belém, zona leste da cidade de São Paulo, por um assaltante.
A câmera de segurança registrou a cena. Após entregar o celular, o jovem tenta tirar a mochila e, aparentemente nervoso, o rapaz que efetuava o roubo dispara um tiro contra a cabeça de Victor. O autor do crime é um adolescente que, embora tenha completado sua maioridade dias após o assassinato, no dia do ocorrido ainda tinha 17 anos.

O caso chamou a atenção da mídia e apressou passeatas e declarações públicas a favor de uma mudança na lei para ampliar a punição de jovens infratores. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi enfático na defesa de mecanismos para reduzir a maioridade penal. Chegou a dizer que seu partido deve levar ao Congresso Nacional um projeto de lei que aumenta o tempo de reclusão para jovens que cometem crimes graves, como homicídios e sequestros. Representantes do governo federal, como o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, criticaram a ‘falsa solução’ desse tipo de proposta.
“Diariamente tantos jovens são mortos em muitos lugares das periferias, vítimas do tráfico, dos grupos de extermínio e não existe repercussão como essa. Me parece uma revolta seletiva, dá a impressão que algumas vidas valem mais do que outras, de acordo com a classe social, o sobrenome. Claro que os familiares de vítimas de violência têm todo o direito de cobrar redução da maioridade, até pena de morte. Talvez até um de nós, se estivesse na mesma condição, cobraria isso, porque é baseado na emoção. Mas, por motivos racionais, essa não é a saída”, avalia Ariel de Castro, especialista em políticas de segurança pública pela PUC/SP e ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda).
Inconstitucional
Segundo Ariel de Castro, a redução da maioridade penal fere cláusula pétrea da Constituição e, por isso, e não pode ser alterada nem mesmo por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC). A possibilidade de responder por atos infracionais, com base em uma legislação especial, faz parte dos direitos e garantias individuais dos adolescentes, que são invioláveis, segundo a Carta Magna.
A imposição de medidas socioeducativas e o limite na reclusão de jovens entre 12 e 18 anos faz parte do caráter pedagógico da doutrina de proteção integral que caracteriza o tratamento jurídico do direito brasileiro dispensado aos adolescentes.
Desde 1999, a redução da idade penal é discutida no Congresso Nacional. De lá para cá, as diferentes PECs foram agrupadas em um substitutivo de autoria do ex-senador Demóstenes Torres – que teve o mandato cassado, em 2012, por corrupção. A medida reduz a maioridade penal para 16 anos nos casos de crime hediondo e dos equiparados a este, como tráfico, tortura e terrorismo.
Mas a punibilidade só valeria após atestada por uma junta multidisciplinar, designada por um juiz, capaz de confirmar o grau de discernimento do adolescente autor do crime. A proposta ainda prevê reclusão em unidades separadas do sistema penitenciário convencional.
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a proposta ainda precisa ser colocada em pauta e aprovada por 60% dos senadores, em dois turnos de votação. Só depois seguiria para a Câmara.
Questão social
“Não há nenhuma relação de garantia entre a ampliação de pena para o adolescente, ou seu encarceramento no sistema prisional, com a modificação do perfil da violência social. Essa violência está muito mais ligada à ausência do Estado em evitar que o adolescente chegue nesse ponto”, afirma a juíza Dora Martins, titular da Vara Central da Infância e Juventude, na cidade de São Paulo. “É lamentável que em casos de comoção como esse, o governador de São Paulo faça uso político de um tema tão complexo”, desabafa.
A magistrada fala com conhecimento de causa. Ela atua no centro da maior cidade do país, com ênfase no atendimento de crianças abandonadas e jovens em situação de risco. Segundo ela, o déficit em creches na capital paulista é de 100 mil vagas.
“Imagina quantas famílias que não têm problemas graves por causa disso, mães que não podem trabalhar, crianças criadas sozinhas, entregue às ruas. Em três ou quatro anos, os adolescentes estarão na ruas cometendo crimes, reflexo desse tipo de problema. Essas questões não estão separadas. As pessoas acham que o adolescente infrator surge do nada. Não, é uma criança que não teve escola, creche, formação regular, aí esse jovem atinge um grau de periculosidade alto mais tarde”, exemplifica.
Para Dora Martins, a resolução do problema da violência envolvendo adolescentes não deve ser pensada de forma oportunista, porque “são medidas de longo prazo”.
Para Ivan de Carvalho Junqueira, especialista em direitos humanos e segurança pública, e servidor da Fundação Casa/SP, o jovem infrator, normalmente, carrega o peso da exclusão social. “Quando esse adolescente de 15 a 17 anos chega para ser internado na Fundação Casa, ele já acumula um prejuízo desde o nascimento”, explica.
Embora as unidades de cumprimento de medida socioeducativa acolham jovens de diversas classes sociais, há um perfil majoritário. “Meninos que embora sejam adolescentes, possuem, no máximo, a 5º série do ensino fundamental, pardos e negros, com histórico de evasão escolar, problemas familiares e envolvimento com tráfico”, descreve.


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Foto: Inesc
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