11 de mar. de 2013

Três concepções de Igreja estarão em confronto na eleição do novo Papa

Como ocorre em qualquer instituição, a disputa pelo poder e pela hegemonia também surge como evidência no complexo sucessório do Vaticano. Na base da campanha eleitoral para a escolha do novo Papa, podem ser observadas duas realidades.
A primeira é a retomada do Concílio Vaticano II como referência central para a Igreja Romana. A segunda, o embate teológico (mais propriamente ideológico) entre três modelos eclesiais básicos. Entre essas duas realidades, confrontam-se, coexistem ou convivem os pólos de poder no Catolicismo Romano.
Três modelos
Na complexidade do universo eclesiástico, verificam-se, mais uma vez, contradições entre o modelo de Igreja-Cristandade, o modelo eclesial denominado como Igreja Sociedade-Perfeita, e o modelo de Igreja Povo de Deus.

O primeiro modelo prevaleceu durante todo o período colonialista. A Igreja e o Estado confundiam-se diante da sociedade, e o discurso eclesiástico servia apenas para legitimar o massacre dos indígenas, dos povos negros e de todos os demais segmentos sociais que lutassem pela liberdade.
A grande exceção na América Latina deveu-se a Bartolomé de las Casas, um missionário e bispo espanhol que se rebelou contra as atitudes do poder colonial, em nome da proclamação da dignidade humana. Hoje, objetivamente, esse modelo de Igreja encontra-se superado.
O segundo modelo, o da Igreja como sociedade perfeita, prevalece, porém, subjacente na visão e na atuação de muitos eclesiásticos. Sua concepção de Igreja parte sempre das elites sociais e econômicas. Estado e Igreja estão definitivamente separados, mas continuam de mãos dadas, cooperativos e adversários de qualquer alteração no status quo vigente na sociedade.
Já o terceiro modelo – o de Igreja Povo de Deus – contradiz os dois anteriores. Parte da realidade de exclusão da maioria ao acesso aos bens sociais necessários para uma vida digna. Traz para a Igreja o desafio daqueles homens e mulheres que Frantz Fanon chamava de “condenados da Terra”. Retoma o significado bíblico, teológico e político da expressão ‘Povo de Deus’, oriundo da religião hebraica.
De acordo com esse modelo, o poder, o comando, a hierarquia absolutista e outras expressões semelhantes só têm sentido se partirem de uma visão holística da comunidade. Nessa visão, o principal desafio para a Igreja é o de favorecer o trabalho comunitário e legitimar todas as iniciativas voltadas para o diálogo e para a democracia, dentro e fora da Igreja.
Esse modelo foi assumido e confirmado pelo Concílio Vaticano II (1959/1965), sob a liderança dos papas João XXIII e Paulo VI. O modelo perdeu a hegemonia na Igreja Romana, mas continua a ser a referência essencial, por exemplo, da Teologia da Libertação.
‘Divisor de águas’
Assim como as Diretas-Já representam um marco essencial na história recente do Brasil, na reconquista da democracia, o principal acontecimento-referência na Igreja Católica Romana continua a ser o Concilio Vaticano II.
Até hoje, os setores mais conservadores do Catolicismo não conseguiram eliminar as decisões centrais daquele grande balanço eclesial, também simbolizado pelo papa João XXIII.
Há hoje a prática da centralização das decisões, a perseguição a teólogos considerados rebeldes e a retomada do passado pré-conciliar como referência para a Igreja, em pleno século XXI. Palavras-chaves do Concílio, tais como o ‘aggiornamento eclesial’ (abertura para o mundo e atualização) e a colegialidade (princípio que promove, na Igreja, a democracia participativa e a responsabilidade compartilhada), passaram a ser menos citadas e utilizadas nos discursos dos Papas, a partir de João Paulo II.
Isto apesar de o papa polonês ter identificado, em um de seus discursos, o Concílio Vaticano II como “uma bússola para os dias de hoje”.
Com a participação de 2400 bispos, o Concílio teve quatro sessões, entre 1962 e 1965. Fora convocado três anos antes por João XXIII. Até à sua realização, predominava na Igreja, apesar da distância em séculos, a visão eclesial constantiniana. Os catecismos do pré-Vaticano II descreviam a Igreja como “a sociedade dos cristãos, governada pelo Papa e pelos bispos, unidos ao Papa”.
Mudanças
A abertura para o mundo e a reforma eclesial interna foram o eixo do debate conciliar. Com essa base, os bispos aprovaram reformas nos ritos litúrgicos, com a permissão de que, por exemplo, as missas passassem a ser celebradas não mais em latim, mas nos idiomas locais. O trabalho colegiado do episcopado recebeu grande destaque: passou a ser uma prioridade a criação das conferências nacionais dos bispos.
A CNBB, criada já nos anos 50, serviu de modelo para as suas congêneres no mundo inteiro. A missão dos leigos foi bastante valorizada e o ecumenismo, assim como o diálogo inter-religioso, tornaram-se prioritários. Durante o Concílio, o Papa, como bispo de Roma e o Patriarca Ortodoxo, revogaram a excomunhão mútua que haviam atribuído um ao outro, quando da Igreja do Oriente.


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