França aprova casamento e adoção para homossexuais
Após
uma batalha parlamentar de dez dias cheia de golpes baixos e debates
duros, a Assembleia Nacional francesa aprovou o projeto de lei que
permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção. 329
deputados votaram a favor e 229 contra. O voto respeitou a lógica que
dividiu a esquerda e a direita em torno desta importante reforma da
sociedade. Os deputados da maioria socialista aprovaram o texto enquanto
que a direita o rejeitou. Uma vez aprovado o projeto de lei, o Partido
Socialista francês desfraldou uma imensa bandeira na sede do partido, na
rua Solferino, onde se podia ler: felizes festas a todos aqueles que se
querem…Verdadeiramente a todos”.
Em meio a uma tormenta parlamentar
poucas vezes vista, de manifestações massivas a favor e contra o
projeto, o presidente François Hollande conseguiu aprovar a primeira
grande reforma social de seu mandato.
Os socialistas não corriam nenhum risco de ver o projeto rejeitado na
Assembleia. A confortável maioria de que dispõem permitiria fazer
passar o texto sem tropeços, O projeto de lei final deve ser examinado
no próximo dia 2 de abril no Senado, onde os socialistas contam com uma
maioria mais apertada. O perigo estava mais em que a tática de
ventilador sujo da oposição conseguisse mudar a opinião pública,
favorável à introdução desse direito. Os dez dias de debate foram um
espetáculo político, literário e teatral. O enfrentamento entre a
ministra da Justiça e autora da lei, Christiane Taubira, e os
parlamentares da direita permanecerá como uma antologia da argumentação
política. O ato final da aprovação do projeto de lei resume o clima que
dominou todo o período de debates: quando o presidente da Assembleia
Nacional, Claude Bartolomé, comunicou o resultado da votação os
socialistas se puseram a gritar “igualdade, igualdade”, enquanto os
parlamentares da direita fugiam do plenário.
A direita francesa recorreu a todos os truques possíveis para
bloquear a lei, começando pelas emendas. No total, a direita introduziu
5.400 emendas, mas nenhuma delas prosperou. Ao contrário, a questão se
tornou rotineira. A oposição conservadora perdeu três vezes: não
conseguiu bloquear o texto, não mudou a tendência da opinião pública e,
além disso, sua agressividade medieval fez surgir uma figura política
inesperada: a ministra da Justiça. Christiane Taubira era até agora uma
personalidade praticamente desconhecida, mas os dez dias de debates na
Assembleia deram a ela um altíssimo nível de popularidade e
legitimidade. Combativa, precisa, às vezes poética, outras irônica, a
titular da pasta da Justiça derrotou todos os oradores da direita que se
opuseram a uma reforma que moderniza as instituições francesas.
As discussões voaram muito alto e também muito baixo. Houve dias em
que a Assembleia se converteu em um teatro de opereta. François Rugy,
presidente do grupo ecologista na Assembleia Nacional, comentou em um
determinado momento: “temos a impressão de que estamos em um asilo de
loucos”. Em seu último discurso, Christiane Taubira interpelou os
deputados conservadores dizendo-lhes que “sempre restarão mulheres para
olhá-los, senhores, para observá-los, para tentar perceber por detrás da
carapaça a ternura que habita em vocês, para descobrir os defeitos que
se escondem sob suas aparências afáveis e para discernir entre as
entrelinhas de seus talentos e debilidades se vocês são capazes de
deixar rastros no mar, como escreveu Antonio Machado”.
A oposição francesa perdeu muito no debate. Ela dedicou todas as suas
forças contra o texto e, com isso, acabou envolvida em uma armadilha:
deixou de lado os temas econômicos e entregou ao socialismo uma vitória
servida na bandeja, ficando, no final, como uma corrente política
agressiva, retrógrada e reacionária até o ridículo quando se trata de
aceitar as evoluções da sociedade. O projeto de lei “Matrimônio para
todos” dá aos casais homossexuais o direito de casar e adotar crianças.
Harlem Désir, o Primeiro Secretário do PS, declarou que isso
representava “uma vitória para toda a sociedade francesa: as famílias já
não estão juridicamente privadas de direitos, as crianças não estão
mais submetidos à desigualdade frente a lei e toda a sociedade francesa
se beneficiará com uma reforma a serviço dos valores republicanos”.
Estas quase duas semanas de discussões e as manifestações que as
precederam deixaram perplexos muitos observadores estrangeiros. Ninguém
pensava que o país dos grandes avanços sociais e da igualdade, que fez
do respeito e do direito uma de suas colunas vertebrais e onde a igreja
tem tão pouco peso fosse tão conservador na hora de incorporar essa
norma. Apareceram ultraconservadores católicos por todas as partes,
gritos histéricos, cânticos contra a decadência moral da França e a
morte da família, e uma série de outros argumentos dignos da Idade
Média. Em vez de se modernizar, a direita se catapultou para o passado,
saiu a defender a família segundo a regra católica como se a única
maneira de formar uma família fosse aquela ditada pelo Vaticano, como se
só houvesse uma família pura, formada por um homem e uma mulher, e
todas as demais fossem um atentado.
Os opositores ao projeto ainda não se renderam. Da aprovação do
projeto até que se possa celebrar legalmente o primeiro casamento entre
homossexuais resta um bom trecho. Os grupos que se opõem a esse direito
vão se manifestar no final de março. Mas o socialismo à francesa marcou
um ponto importante. Este projeto de lei é, de fato, a reforma da
sociedade mais importante que se adota na França desde a abolição da
pena de morte, em 1982. Naquela época, a França também estava presidida
por um socialista, François Mitterrand, o homem que, paradoxalmente, fez
a França entrar na era liberal e consumista.
Focando a Noticia
cartamaior.
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