26 de jan. de 2013

Hábito de adiar pode esconder problemas

A procrastinação assume perfis diversos. O procrastinador por criação de problema adia as tarefas para mais tarde porque acha que terá mais tempo. O procrastinador comportamental até faz listas e planos, mas não segue nada do que foi planejado. E o procrastinador retardatário faz várias coisas antes de cumprir uma tarefa determinada anteriormente.
Segundo o psiquiatra norte-americano Bill Knaus em artigo publicado no “Psychology Today”, estes são os três perfis de quem tem mania de deixar tudo para depois. Mas, para a professora-titular da USP e terapeuta analítica comportamental Rachel Kerbay, a definição vai além.





Daniel Oliveira/ Fotoarena
A publicitária Carina já tem fama de procrastinadora até no escritório e não quis mostrar o rosto: “é fácil começar e terminar o dia fazendo alguma coisa que não tem nada a ver com o trabalho”


Rachel trabalha há mais de 15 anos com o assunto e define o “autocontrole” – ou melhor, a falta dele – como a palavra-chave para entender este distúrbio. “O procrastinador quer sempre usufruir do resultado imediato. Não sabe planejar e criar condições para que as coisas aconteçam. Como ele segue só aquilo que é de seu interesse, perde o que poderia ganhar a longo prazo”, explica a professora.
Cada um com os seus motivos
É exatamente o que Carina Martins faz repetidas vezes. Redatora publicitária, ela precisa trabalhar em dupla com o responsável pela arte. Mas a fama de “deixar tudo para a última hora” já é bem conhecida entre os colegas e, no último emprego, chegou aos ouvidos do chefe. “Como eu também sou DJ, é muito fácil começar o dia procurando música e, quando me dou conta, passei o expediente inteiro fazendo outra coisa que não era o trabalho”, diz.
Carina também é do tipo que demora muitos dias para cumprir uma tarefa muito fácil, exatamente pelo grau de exigência ser menor. Só que quando o assunto é difícil, ela também trava. Daí o motivo é ter medo de encarar um desafio.
“Geralmente, o procrastinador tem medo do resultado e de uma avaliação pública. Daí o bloqueio e a decisão de não fazer nada. Para isso, ele encontra várias desculpas –muitas vezes externas, como tempo ruim, pouco dinheiro, falta de sorte – ou apela para a emoção para adiar os compromissos”, analisa Rachel.
O problema é que, na maioria dos casos, ele joga o trabalho para frente com a desculpa de que precisa de mais tempo para fazer determinado projeto, e nem por isso faz melhor. “Eu sempre falo, ‘semana que vem eu faço com mais calma’. Apesar da sensação ruim de angústia, acabo me enrolando de novo e dedico menos tempo do que o trabalho de verdade precisa. A saída, então, é o improviso”, confessa Carina.


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Missão dada não é missão cumprida
Nesse nó de desculpas e enrolação, a preguiça – ao contrário do que muita gente acredita – não é a resposta do problema. É só ver a disposição da Carina para pesquisar música e fazer outras atividades que lhe dão prazer. Foi também o que concluiu Christian Barbosa, especialista em produtividade e autor do livro “Equilíbrio e Resultado – Por que as pessoas não fazem o que deveriam fazer”. Christian elaborou uma pesquisa e perguntou a mais de 4 mil pessoas a seguinte questão: “você procrastina atividades ao longo da sua rotina?”. 97,4% dos entrevistados responderam “sim”.
De acordo com o levantamento, exercício físico, leitura, saúde e planejamento financeiro são as quatro coisas mais adiadas. Por outro lado, casamento, comprar apartamento, mudar de emprego e férias são aquelas que as pessoas realizam com mais facilidade. “Não há nada de errado em procrastinar de vez em quando, o problema é quando isso começa a ficar crônico e passamos a adiar frequentemente coisas que não poderiam ser adiadas”, define.
“De maneira geral, as coisas pessoais acabam sendo as que mais adiamos. Talvez porque na vida pessoal ninguém fique cobrando que você leia determinado livro ou organize seu armário. Mas, no trabalho, você tem chefe e clientes que esperam o resultado de sua produção”, ressalta Christian.
A falta dessa figura pode ser uma das razões que faz o estudante Marcio Vincler viver sempre no atraso. Há alguns anos, ele passou a trabalhar com a mãe. Como precisa de dedicação semi-integral na faculdade de veterinária, e ainda dá expediente em uma clínica, o tempo disponível para escritório é bem reduzido e as regalias são muitas.
Apesar de admitir que não se incomoda com as brincadeiras dos colegas, ele sabe o quanto esse comportamento cria rótulos. “Eu não consigo chegar no horário em nenhum lugar e as pessoas já contam com a minha demora”, diz.




Daniel Oliveira/ Fotoarena
Carina brinca com desenho: procrastinadores temem ser tachados de “preguiçosos”


Rir de si mesmo nem sempre é a melhor saída
A descontração dos procrastinadores vai embora quando é proposta uma sessão de fotos para ilustrar esta reportagem. Aí, a desculpa da imagem a zelar fala mais alto. Situação parecida viveu Christian Barbosa: se na primeira fase de sua pesquisa, que era anônima, não teve dificuldades, tudo mudou quando ele deu início à segunda etapa, que era procurar personagens e entender o dia-a-dia desse grupo. “Eles simplesmente sumiram. Ou pediam para trocar os nomes, a idade, a profissão. A principal preocupação era não ser mal visto pelos colegas de trabalho”, explica.
Mesmo assim, o procrastinador é mais tolerado no Brasil do que em outros lugares. “O que dita a cultura são os costumes, os valores de um grupo. E a nossa não é a do fazer, mas o de empurrar. Temos um histórico de relações cordiais, em que os problemas se resolvem na base da amizade”, pontua Rachel Kerbauy.
O presente é o momento ideal
A pergunta diante deste jogo de empurra-empurra é: há uma luz no fim do túnel? Sim. “É preciso mudar as ações, as habilidades e a fala. Ou seja, o jeito de fazer das coisas”, afirma Rachel. É o que também acredita Christian Barbosa. “Infelizmente, na vida nem sempre teremos apenas coisas interessantes para fazer. É preciso aceitar isso”, diz.
Segundo ele, em muitos casos, adotar uma estratégia de produtividade dá bons resultados. Outra dica valiosa é defendida por Rachel. “Planeje os compromissos, crie alternativas factíveis e avance aos poucos. A recompensa neste caso não é material. É o sentimento de dever concluído que dá impulso à mudança e se torna mais satisfatório do que o mal-estar de um comportamento procrastinador”.

Focando a Noticia
Fernanda Tripolli - especial para o iG

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